sábado, 29 de agosto de 2009

O povo vencerá em Timor!

“Uma falsa estabilidade”, avisa Mari Alkatiri.
29 de Agosto de 2009
No ano em que se comemoram os 10 anos do referendo que deu a independência a Timor-Leste não param as críticas da FRETILIN ao governo de Xanana Gusmão. Mari Alkatiri é o líder do maior partido timorense, na oposição, e foi o primeiro primeiro-ministro do Timor-Leste independente, forçado a abdicar após a crise de 2006.
-Como resumiria a situação actual de Timor-Leste?
-Timor é um país pequeno, com riqueza e potencialidades para se desenvolver, que está entre dois gigantes. Estamos ainda a tentar gerir as bombas relógio que a Indonésia deixou: as divisões no seio do nosso povo e a cultura de violência, a tendência que as pessoas têm de ter uma boa vida, fácil, sem grandes trabalhos.No tempo da Indonésia havia uma causa – contra a ocupação. Hoje há uma perca completa de uma causa unificadora. Nos primeiros anos, com a ONU, pretendeu-se criar um Estado trazendo pessoas da Europa do Norte até à África subsahariana. Só se trabalhou na base da estatística. Hoje o que o governo está a fazer é usar o dinheiro dos recursos que nos são oferecidos pela natureza para fazer populismo e demagogia. Subsidiar tudo e não libertar a energia criadora do povo. As pessoas têm de ser educadas no sentido de se libertarem e de se sentirem dignas por viver melhor, mas como fruto do seu trabalho e participação no processo.
-Tem-se encontrado com os militantes da FRETILIN e com as populações por todo o país. O que sentem hoje estas pessoas?
-Inicialmente todos acham que a violência se responde com violência. Foi preciso um trabalho persistente, uma frieza política, e dizer claramente que tem de se romper com este ciclo de violência. Já se falava de estado falhado... A sorte do actual governo, para além de ter o dinheiro que deixámos, é ter uma oposição que não quer violência.
-Porque é que defende eleições antecipadas?
-Lancei um repto para um referendo para saber se a maioria das pessoas quer ou não eleições antecipadas. Consultar as pessoas para evitar que se cansem e achem que podem descer às ruas e derrubar o governo. Há um problema de legitimidade: as pessoas que estão no poder são quem esteve por trás da crise de 2006, quem entendeu começar com a violência e dividiu a polícia e as forcas armadas. Foi um golpe semi-constitucional.
-Julga que existe uma grande distância entre classe politica e o povo?
-Quem governa, quando se descuida, pensa que está a governar para si e não para os outros. Hoje temos um sistema de compadrio, corrupção e nepotismo de toda a ordem. A mesma família tem não sei quantos membro nos governo, não sei quantos embaixadores... As empresas são criadas em função da vontade do primeiro-ministro. Quem está a governar fala em nome do povo, faz encomendas de milhões e milhões “porque o povo precisa”, mas são os seus bolsos que estão a encher.
-À frente de Timor-Leste continuam hoje as figuras de 75. Julga que seria altura de uma nova geração assumir a liderança do país?
-Não pode ser uma decisão. A liderança aparece naturalmente. Eu não pretendo voltar a governar, quero criar uma dinâmica de mudança no partido, para garantir que no momento certo a nova geração assuma a liderança. Ramos-Horta, Xanana, eu próprio, fomos os criadores desta nação. Naturalmente não somos os donos, temos a responsabilidade de criar uma dinâmica de mudança.
-Defende a criação de um tribunal internacional para julgar os crimes da ocupação indonésia?
-Não acredito que algum dia venha a ser criado. Não concordo com amnistias a torto e a direito, a justiça não pode ser negada a ninguém. Mas quem governa tem de saber se é o momento. O que é que vai conseguir: criar o tribunal ou abrir um novo conflito? A democracia na Indonésia ainda está a consolidar-se. Para já, exigir justiça é confrontar. Por outro lado, o conselho segurança da ONU vetará de certeza qualquer tentativa, porque todos querem boas relações com a Indonésia. O tribunal deve existir quando o povo timorense e indonésio, juntos, possam exigi-lo. Só o povo timorense não vai a lado nenhum.
-Como encara hoje a cooperação de países como os Estados Unidos ou a Austrália, que sempre apoiaram a ocupação indonésia?
-Qualquer país, neste mundo globalizado, tem de se relacionar com todos. Iniciámos a governação como país independente com ajuda externa, não tínhamos um centavo de receitas próprias. A questão é saber gerir a ajuda, de modo a não criar dependência. Hoje em dia é possível porque já temos receitas próprias. Tem é de se definir um programa claro de desenvolvimento, e não que cada um chegue e diga o que quer fazer. Quando o projecto está dentro do programa é sustentável.
-E qual a sua opinião sobre a presença de internacionais em Timor?
Está a aumentar de dia para dia, e ajuda a criar uma economia de bolha, fictícia. Dizem que o crescimento económico é 12%, o maior do mundo, mas crescimento não tem nada a ver com desenvolvimento económico. É um crescimento fictício, um balão que pode rebentar a todo o momento, basta que chegue o fim do mandato das Nações Unidas e as pessoas comecem a sair. Não há criação de emprego, o sistema de educação e de saúde estão a colapsar.
-Considera que existe uma economia paralela, vedada aos timorenses?
-É claríssimo. E também já se começa a ver uma elite timorense que compete nesta economia paralela, de uma forma parasita. Não é uma capacidade real desta classe, é tudo alimentado pelo orçamento de Estado, de forma ilícita. É completamente insustentável e vai dar problemas ao próximo governo. Para além de uma oposição que não quer violência, a grande presença de uma força internacional ajuda a criar esta falsa estabilidade. Se todo o sistema que estiver a ser montado não for feito numa base consensual, até onde poderemos ir no dia em que as forças internacionais se retirarem?
-De que mais gosta no seu país?
-Viver a parte mítica da cultura timorense, ir até as entranhas deste povo. Perceber melhor porque é que foi tão forte na resistência e como é que pode ser igualmente forte na construção do país.
-Qual é o seu maior sonho para Timor-Leste?
-Ter um país estável, que vá progredindo de ano para ano. Sem correr muito, porque assim não se faz nada sustentável. Ter pessoas com uma educação e uma saúde de qualidade, água potável para todos. Ter um país verde

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